Precisamos
compreender que vivemos em um tempo de transição, no qual os conflitos
culturais entre diferentes gerações são naturais e se refletem intensamente no
contexto escolar. Com isso, não estamos afirmando que seja uma situação
confortável, apenas alertamos que os conflitos são inevitáveis. Anísio Teixeira
(2004), proeminente educador brasileiro, apresenta um olhar visionário, no
artigo “Mestres do Amanhã”, publicado originalmente em 1963. Nesse artigo, o
autor alerta acerca dos aspectos negativos dos novos cenários dominados por
mídias (naquela época, a TV, o cinema e os jornais de grande circulação) e
também para a necessidade dos educadores aceitarem as mudanças, de forma a
criar possibilidades de conduzi-las com mais consciência e criticidade.
“Ou
melhor, todos sabemos, pois ninguém desconhece que, se a educação é cada vez
mais fraca, o anúncio e a propaganda são cada vez mais fortes em nossa
sociedade – sobretudo nos países em que já se fez afluente – é uma sociedade
cujo objetivo se reduz ao de consumir cada vez maiores quantidades de bens
materiais. Conseguimos condicionar o homem para essa carreira de consumo,
inventando necessidades e lançando-o em um delírio de busca ilimitada de
excitação e falsos bens materiais. Ora, se o anúncio logrou obter isto, foi
porque os meios de influir e condicionar o homem se fizeram extremamente
eficazes” (TEIXEIRA, 2004, p. 147).
“[...]
todas essas considerações nascem de uma atitude de aceitação do progresso
científico moderno, de aceitação das terríveis mudanças que este progresso esta
impondo à vida humana e da crença de que ainda não fizeram em educação o que
deveria ser feito para preparar o homem para a época para o que foi arrastado
pelo seu próprio poder criador. Todo o nosso passado, nossos mais caros
preconceitos, nossos hábitos mais queridos, nossa agradável vida paroquial,
tudo isto se levanta contra o tumulto e a confusão de uma mudança profunda de
cultura, como a que estamos sofrendo. A mocidade, contudo está a aceitar esta
mudança, é verdade que um tanto passivamente, mas sem nada que lembre a nossa
inconformidade. A mudança, todos sabemos, é irreversível. Só conseguiremos
restaurar-lhe a harmonia, se conseguirmos construir uma educação que a aceite,
a ilumine e a conduza em um sentido humano” (TEIXEIRA, 2004, p. 148).32
Ao
discorrer sobre as influências das tecnologias na formação das novas gerações,
o autor possui um olhar bastante crítico dos riscos da falta de domínio e
criticidade acerca da técnica. Ele também traz luz ao papel central da educação
para preparar os sujeitos a uma postura compatível com os desafios
vislumbrados:
“A verdade é que cada meio novo
de comunicação, ao surgir, não produz imediatamente os resultados esperados,
mas, muitas vezes, a difusão do que há de menos interessante, embora mais
aparentemente popular, na cultura comum” (TEIXEIRA, 2004, p. 144).
É
realmente incrível a forma como as crianças de hoje integram com naturalidade
as mais recentes funcionalidades de inúmeros dispositivos eletrônicos. Prensky
(2001) explica que pessoas com mais de 20 anos são “imigrantes” na cultura das
novas tecnologias, como a Internet. Ou seja, nasceram em outro meio e,
assim, desenvolveram outras formas de interagir e construir conhecimentos
diferentes das novas gerações, denominados “nativos” dessa cultura. O termo
“novas mídias” está sendo aqui usado, conforme abordagem de Ito et al. (2010),
para descrever uma ecologia na qual as mídias mais tradicionais, como livros,
televisão e rádio, entrecruzam-se com mídia digital, especialmente mídias
interativas e voltadas para comunidades sociais.
Diversão é sempre uma boa
estratégia e ajuda na aprendizagem! Portanto, separamos mais um vídeo para
você se divertir enquanto reflete sobre as diferenças entre imigrantes e
nativos da era das novas tecnologias: “Book: a revolução tecnológica”,
disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=5q8dufkVj_c&feature=related
“Hoje o jovem estudante cresce num mundo eletricamente estruturado.
Não é um mundo de rodas, mas de circuitos, não é um mundo de fragmentos, mas de
configurações e estruturas. O estudante hoje vive miticamente e em
profundidade. Na escola, no entanto, ele encontra uma situação organizada segundo
a informação classificada. Os assuntos não são relacionados. Eles são
visualmente concebidos em termos de um projeto ou planta arquitetônica. O estudante
não encontra meio possível de participar dele, nem consegue descobrir como a
cena educacional se liga ao mundo mítico dos dados e experiências processados
eletronicamente e que para ele constitui ponto pacífico. Como diz um executivo
da IBM: “Quando entraram para o primeiro ano, minhas crianças já tinham vivido
diversas existências, em comparação aos seus avós” (MCLUHAN, 2005, p.11).
No livro Hanging Out, Messing Around, and Geeking Out (ITO
et al., 2010), 28 pesquisadores e colaboradores, integraram seus resultados de
estudos de grande amplitude em amostras de práticas dos jovens dos EUA. A
abordagem do trabalho foca na documentação, com riqueza de detalhes, para
mostrar como os jovens estão aplicando as mídias e tecnologias em seus
cotidianos. Os autores descortinam uma cultura com uma linguagem midiática,
interações sociais em rede, atividades autodirigidas que levam a diversas
inovações e rupturas com as gerações anteriores. Conforme expõe Ito et al.:
“Há um discurso crescente da opinião pública (tanto esperançoso
quanto com medo), que declara que o uso que os jovens fazem da mídia e
tecnologias de comunicação digitais define uma identidade geracional distinta
da dos mais velhos. Além dessa ruptura entre gerações, essas novas práticas
estão vinculadas ao que David Buckingham (2007, p. 96) tem chamado de “fosso
digital” entre o uso na escola e fora dela. Ele vê isso como sintoma de um
fenômeno maior ̶ o fosso muito mais amplo e cada vez maior entre a vida de
todos os dias fora da escola e as intenções e objetivos dos sistemas educacionais.
Ambos os fossos são parte de um conjunto persistente de questões sobre a
autoridade dos adultos na educação e na socialização dos jovens. O discurso das
gerações e juventudes digitais postula que as novas mídias capacitam os jovens
a desafiar de modos inusitados as normas sociais e as agendas educacionais”
(2010, p. 2, tradução nossa).
Ainda no contexto estadunidense, Prensky (2001) salienta o
desinteresse dos estudantes “nativos” da cultura virtual pela escola e pelas
aulas. Professores “imigrantes” não compreendem a linguagem das novas gerações
e desconsideram ou desqualificam suas características e necessidades
específicas.
“Professores imigrantes digitais ao assumir que os alunos são
iguais a como eles sempre foram, concluem que os mesmos métodos que os seus
professores usavam devem agora funcionar com seus estudantes. Mas esta
suposição não é válida. Os estudantes de hoje são diferentes.
“www.faminto.com”, disse um estudante da escolar infantil recentemente na hora
do lanche. “Toda vez que eu vou pro Colégio, eu tenho que me desligar”,
reclama um estudante do ensino médio. O que acontece? Os nativos não conseguem
ou não querem prestar atenção? Muitas vezes, do ponto de vista dos nativos,
seus professores imigrantes é que fazem não valer a pena prestar atenção se
comparado a qualquer outra experiência que eles podem ter – e como eles ainda
reclamam por não prestarem atenção, mais e mais eles deixam de prestar”
(PRENSKY, 2001, p. 3).
O depoimento do estudante de como se sente desconfortável e
desestimulado no ambiente escolar é bastante inquietante. Enquanto educadores,
conscientes da importância da educação e da escola, entristecermo-nos
facilmente com esses fatos, certo? Ops, cuidado! Não vamos nos abalar!
Lembre-se de que vivemos tempos conturbados e conflituosos. Essa consciência
nos permitirá exercer o papel essencial de aplicar nossa experiência e senso
crítico para vislumbrar horizontes mais amplos, para além das confusões e
descompassos da realidade atual. Mantenha-se firme na postura investigativa, tentando
compreender os erros do presente sem “culpabilidades” ou outros sentimentos
desmobilizadores. Combinado?
Excelente! Vamos então continuar jogando mais luz em aspectos
ainda nebulosos da relação entre escola e cultura jovem tecnificada. Será que podemos
traçar paralelos entre a realidade brasileira e a estadunidense? Parece que
sim, em tempos de globalização, já que os fenômenos tendem a se espalhar. Os
comportamentos que configuram a cultura jovem costumam surgir nos países ditos
de “primeiro” mundo e são rapidamente transmitidos para os demais. Desde a
década de 60, Teixeira (2004) já apontava essas influências globais:
“Não se diga que estou a apresentar observações que somente se
aplicam às sociedades afluentes. O caso dos países subdesenvolvidos não é
diverso, porque os recursos tecnológicos da propaganda e do anúncio também já
lhe chegaram e não lhe será possível repetir a história dos sistemas escolares,
mas adaptar-se às formas mais recentes da escola de hoje. Está claro que
concretamente seu problema é diverso. A sua luta não é ainda para comandar a
produtividade, mas para chegar á produtividade.
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