sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Reflexões sobre cenários de mudança

Precisamos compreender que vivemos em um tempo de transição, no qual os con­flitos culturais entre diferentes gerações são naturais e se refletem intensamente no con­texto escolar. Com isso, não estamos afirmando que seja uma situação confortável, apenas alertamos que os conflitos são inevitáveis. Anísio Teixeira (2004), proeminente educador brasileiro, apresenta um olhar visionário, no artigo “Mestres do Amanhã”, publicado originalmente em 1963. Nesse artigo, o autor alerta acerca dos aspectos ne­gativos dos novos cenários dominados por mídias (naquela época, a TV, o cinema e os jornais de grande circulação) e também para a necessidade dos educadores aceitarem as mudanças, de forma a criar possibilidades de conduzi-las com mais consciência e criticidade.
“Ou melhor, todos sabemos, pois ninguém desconhece que, se a educação é cada vez mais fraca, o anúncio e a propaganda são cada vez mais fortes em nossa sociedade – sobretudo nos países em que já se fez afluente – é uma sociedade cujo obje­tivo se reduz ao de consumir cada vez maiores quantidades de bens materiais. Conseguimos condicionar o homem para essa carreira de consumo, inventando necessidades e lançando-o em um delírio de busca ilimitada de excitação e falsos bens materiais. Ora, se o anúncio logrou obter isto, foi porque os meios de influir e condicionar o homem se fizeram extrema­mente eficazes” (TEIXEIRA, 2004, p. 147).
“[...] todas essas considerações nascem de uma atitude de aceitação do progresso científico moderno, de aceitação das terríveis mudanças que este progresso esta impondo à vida humana e da crença de que ainda não fizeram em educação o que deveria ser feito para preparar o homem para a época para o que foi arrastado pelo seu próprio poder criador. Todo o nos­so passado, nossos mais caros preconceitos, nossos hábitos mais queridos, nossa agradável vida paroquial, tudo isto se le­vanta contra o tumulto e a confusão de uma mudança profunda de cultura, como a que estamos sofrendo. A mocidade, contu­do está a aceitar esta mudança, é verdade que um tanto passi­vamente, mas sem nada que lembre a nossa inconformidade. A mudança, todos sabemos, é irreversível. Só conseguiremos restaurar-lhe a harmonia, se conseguirmos construir uma edu­cação que a aceite, a ilumine e a conduza em um sentido hu­mano” (TEIXEIRA, 2004, p. 148).32
Ao discorrer sobre as influências das tecnologias na formação das novas gerações, o autor possui um olhar bastante crítico dos riscos da falta de domínio e criticidade acerca da técnica. Ele também traz luz ao papel central da educação para preparar os sujeitos a uma postura compatível com os desafios vislumbrados:
“A verdade é que cada meio novo de comunicação, ao surgir, não produz imediatamente os resultados esperados, mas, mui­tas vezes, a difusão do que há de menos interessante, embora mais aparentemente popular, na cultura comum” (TEIXEIRA, 2004, p. 144).
É realmente incrível a forma como as crianças de hoje integram com naturalidade as mais recentes funcionalidades de inúmeros dispositivos eletrônicos. Prensky (2001) explica que pessoas com mais de 20 anos são “imigrantes” na cultura das novas tec­nologias, como a Internet. Ou seja, nasceram em outro meio e, assim, desenvolveram outras formas de interagir e construir conhecimentos diferentes das novas gerações, denominados “nativos” dessa cultura. O termo “novas mídias” está sendo aqui usado, conforme abordagem de Ito et al. (2010), para descrever uma ecologia na qual as mídias mais tradicionais, como livros, televisão e rádio, entrecruzam-se com mídia digital, es­pecialmente mídias interativas e voltadas para comunidades sociais.
Diversão é sempre uma boa estratégia e ajuda na aprendizagem! Portanto, sepa­ramos mais um vídeo para você se divertir enquanto reflete sobre as diferenças entre imigrantes e nativos da era das novas tecnologias: “Book: a revolução tecnológica”, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=5q8dufkVj_c&feature=related
“Hoje o jovem estudante cresce num mundo eletricamente es­truturado. Não é um mundo de rodas, mas de circuitos, não é um mundo de fragmentos, mas de configurações e estrutu­ras. O estudante hoje vive miticamente e em profundidade. Na escola, no entanto, ele encontra uma situação organizada se­gundo a informação classificada. Os assuntos não são rela­cionados. Eles são visualmente concebidos em termos de um projeto ou planta arquitetônica. O estudante não encontra meio possível de participar dele, nem consegue descobrir como a cena educacional se liga ao mundo mítico dos dados e expe­riências processados eletronicamente e que para ele constitui ponto pacífico. Como diz um executivo da IBM: “Quando entra­ram para o primeiro ano, minhas crianças já tinham vivido diver­sas existências, em comparação aos seus avós” (MCLUHAN, 2005, p.11).
No livro Hanging Out, Messing Around, and Geeking Out (ITO et al., 2010), 28 pesquisadores e colaboradores, integraram seus resultados de estudos de grande ampli­tude em amostras de práticas dos jovens dos EUA. A abordagem do trabalho foca na do­cumentação, com riqueza de detalhes, para mostrar como os jovens estão aplicando as mídias e tecnologias em seus cotidianos. Os autores descortinam uma cultura com uma linguagem midiática, interações sociais em rede, atividades autodirigidas que levam a diversas inovações e rupturas com as gerações anteriores. Conforme expõe Ito et al.:
“Há um discurso crescente da opinião pública (tanto esperan­çoso quanto com medo), que declara que o uso que os jovens fazem da mídia e tecnologias de comunicação digitais define uma identidade geracional distinta da dos mais velhos. Além dessa ruptura entre gerações, essas novas práticas estão vin­culadas ao que David Buckingham (2007, p. 96) tem chama­do de “fosso digital” entre o uso na escola e fora dela. Ele vê isso como sintoma de um fenômeno maior ̶ o fosso muito mais amplo e cada vez maior entre a vida de todos os dias fora da escola e as intenções e objetivos dos sistemas educacio­nais. Ambos os fossos são parte de um conjunto persistente de questões sobre a autoridade dos adultos na educação e na socialização dos jovens. O discurso das gerações e juventu­des digitais postula que as novas mídias capacitam os jovens a desafiar de modos inusitados as normas sociais e as agendas educacionais” (2010, p. 2, tradução nossa).
Ainda no contexto estadunidense, Prensky (2001) salienta o desinteresse dos estu­dantes “nativos” da cultura virtual pela escola e pelas aulas. Professores “imigrantes” não compreendem a linguagem das novas gerações e desconsideram ou desqualificam suas características e necessidades específicas.
“Professores imigrantes digitais ao assumir que os alunos são iguais a como eles sempre foram, concluem que os mesmos métodos que os seus professores usavam devem agora funcio­nar com seus estudantes. Mas esta suposição não é válida. Os estudantes de hoje são diferentes. “www.faminto.com”, disse um estudante da escolar infantil recentemente na hora do lan­che. “Toda vez que eu vou pro Colégio, eu tenho que me desli­gar”, reclama um estudante do ensino médio. O que acontece? Os nativos não conseguem ou não querem prestar atenção? Muitas vezes, do ponto de vista dos nativos, seus professores imigrantes é que fazem não valer a pena prestar atenção se comparado a qualquer outra experiência que eles podem ter – e como eles ainda reclamam por não prestarem atenção, mais e mais eles deixam de prestar” (PRENSKY, 2001, p. 3).
O depoimento do estudante de como se sente desconfortável e desestimulado no ambiente escolar é bastante inquietante. Enquanto educadores, conscientes da impor­tância da educação e da escola, entristecermo-nos facilmente com esses fatos, certo? Ops, cuidado! Não vamos nos abalar! Lembre-se de que vivemos tempos conturbados e conflituosos. Essa consciência nos permitirá exercer o papel essencial de aplicar nossa experiência e senso crítico para vislumbrar horizontes mais amplos, para além das con­fusões e descompassos da realidade atual. Mantenha-se firme na postura investigativa, tentando compreender os erros do presente sem “culpabilidades” ou outros sentimentos desmobilizadores. Combinado?
Excelente! Vamos então continuar jogando mais luz em aspectos ainda nebulosos da relação entre escola e cultura jovem tecnificada. Será que podemos traçar paralelos entre a realidade brasileira e a estadunidense? Parece que sim, em tempos de globaliza­ção, já que os fenômenos tendem a se espalhar. Os comportamentos que configuram a cultura jovem costumam surgir nos países ditos de “primeiro” mundo e são rapidamente transmitidos para os demais. Desde a década de 60, Teixeira (2004) já apontava essas influências globais:

“Não se diga que estou a apresentar observações que somente se aplicam às sociedades afluentes. O caso dos países subde­senvolvidos não é diverso, porque os recursos tecnológicos da propaganda e do anúncio também já lhe chegaram e não lhe será possível repetir a história dos sistemas escolares, mas adaptar-se às formas mais recentes da escola de hoje. Está claro que concretamente seu problema é diverso. A sua luta não é ainda para comandar a produtividade, mas para chegar á produtividade. 

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